domingo, 5 de outubro de 2014

Capítulo Primeiro

"15 anos atrás.
- Mamãe, onde você está? - Eu corria pela casa, querendo mostrar o pequeno buquê de flores que comprara para alegrar seu dia.
Desde que papai foi embora, ela entrou em uma depressão horrível. E às vezes chorava, disfarçadamente, quando olhava para mim. Talvez porque eu tivesse os olhos do meu pai e um pouco da sua personalidade rude. Claro que pra ela eu nunca fui rude.
Eu me culpava às vezes por parecer tanto com o meu pai. E para compensar esse defeito, sempre tentava alegrar minha mãe, mostrando o quão diferente eu poderia ser daquele homem. Eu queria dar a felicidade de volta à ela.
- Mamãe? Está no quarto? Eu... - Ela estava deitada. Desde a hora em que fui à escola. - Eu lhe trouxe flores, mamãe. São rosas vermelhas, suas preferidas. Eu economizei no dinheiro do lanche pra você ficar feliz. - A chacoalhei de leve, ela estava coberta com seu edredom vermelho e de costas para mim. Levantei o edredom e haviam vários remédios espalhados pela cama. Remédios de todas as cores. Uns pareciam as balas que comprava no mercado da esquina.
Quando a toquei, estava fria. Mais fria que a neve que caia lá fora.
- Mamãe? - Chamei-a desesperadamente. Subi na cama e a abracei, tentando miseravelmente aquecer aquele corpo gélido e sem vida."
Acordei suado e ofegante. Tinha certeza que isso não foi um sonho, foi uma lembrança pela qual privei minha mente, mas que depois daqueles olhos que vira na noite anterior, voltaram à tona.
Ouço um barulho estrondoso de panela caindo ao chão. O estrondo vinha da cozinha.
Levantei-me da cama amaldiçoando aquele dia e quem fizera a proeza de me tirar de meus devaneios.
Seguiu-se um grito. Essa casa nunca fora tão agitada e já estava começando a odiar a maldita ideia que eu tive ontem.
- Mas que porra é essa? - Nara passou por mim, chacoalhando sua cauda, talvez tivesse se assustado com a criatura que estava em cima da pia segurando uma frigideira. Ela ainda usava sua suja calça jeans e blusa de frio fechada, já que sua blusa fora rasgada ontem.
- U-uma cascavel gigante!
- Correção: Uma serpente rara do sul da África. - Encostei-me no balcão da cozinha, sentindo cheiro de omelete e bacon. - Ela não faz a mal a ninguém. A menos que eu a ordene que faça, claro.
- Mas ela tem guizos...
- Ela é uma serpente rara. Rara!
Ela desceu da pia, ainda olhando o chão, talvez achando que eu tivesse uma cria de serpentes andando pela casa. Patética.
- E o que você estava tentando fazer?
- Um café-da-manhã.
- Olha bem pra mim. - Ela me encarou, com os olhos arregalados - Você vê um americano?
- Não...
- Então por que fez a porra de um omelete com bacon?
- Bem, eu não sei fazer sushi.
Eu deveria tê-la matado quando tive a chance. Na verdade eu ainda tenho chance de fazer isso.
- Não é porque sou japonês que só como sushi, sua imbecil. Se você não sabe o que como no café-da-manhã, não faça absolutamente nada. Não preciso de comidinha de agradecimento.
Ela olhou triste para o omelete que estava no prato, em cima da mesa. Suspirei pesadamente.
- Mas como você já fez essa droga, eu não vou jogar comida fora.
Sentei-me de qualquer jeito na cadeira e peguei com a mão um pedaço de bacon. Não quis admitir o quanto aquilo estava bom. Não me alimento bem desde os 12 anos. Desde que...
- Está gostoso? Eu coloquei um pouco de curry que tinha no armário.
- Hn.
- Obrigada. Sabe, por tudo.
- Hn.
- Assim que eu conseguir um lugar, eu saio daqui. Então, durante esse tempo, não precisa se preocupar comigo.
- Hn.
Ela se retraiu e apenas olhou enquanto eu devorava aquele café-da-manhã gorduroso.
- Três coisas imprescindíveis que você deve fazer: Ficar longe das minhas coisas, evitar qualquer diálogo entre nós e se cuidar por onde anda. Ninguém sabe onde fica a minha casa, e não vai ser uma criança que vai estragar tudo.
Depois de devorar quatro omeletes e sete pedaços de bacon sozinho, levantei-me e fui para o meu quarto tomar uma ducha. Eu ainda estava com um shorts qualquer e sem camisa alguma quando a garota apareceu na porta, meio acanhada.
- É...
- Fala logo. - Disse ríspido.
- Eu sei que não sou bem-vinda, mas eu gostaria de poder lhe ajudar de alguma forma enquanto eu estiver aqui...
- Você não entendeu o que eu te falei na cozinha? Eu vivo há anos sozinho, nunca precisei de uma mulher que pudesse fazer coisas por mim. Não vai ser agora que vou precisar. - Me virei pegando a toalha. - Quer ajudar? Feche a boca e fique quieta. Eu não quero sentir sua presença nessa casa.
Ela se virou e foi em direção ao quarto de hóspedes que havia dormido à noite.
Nara passou por mim, vindo debaixo da minha cama.
- Não vá ao quarto da menina. Eu não quero ouvir gritos.
Nara compreendeu com um leve chacoalhar dos guizos e foi em direção à cozinha.
Entrei no banheiro e liguei o chuveiro gelado.
Comecei a tomar minhas metas de hoje: Anne Colins. Prostituta do bordel North Worth, foi presa três vezes, uma por portar cocaína, uma por roubo e outra por aliciação de menor. Agora ela começou a brincar com fogo, sendo amante do marido de uma empresária influente. Mida Blaya, a empresária, quer vingança. E me pagou muito bem por isso. Seu marido será o próximo, é claro.
Enquanto me trocava, verifiquei as armas que usaria. Mida Blaya é tão vingativa que pediu a cabeça da vítima em uma sacola, pra entregar de presente pro marido. E me pagou o triplo por uma morte lenta e dolorosa.
A roupa e a arma estavam preparados. Comecei a afiar o facão que usaria para decapitá-la quando escutei a televisão ligada. Mas que inferno!
Coloquei um jeans velho e surrado e uma camiseta qualquer, antes de sair do quarto.
"Foi encontrado nessa sexta-feira cinco corpos no beco da rua Assef. Todos foram mortos com um tiro na cabeça. Não houve testemunhas e a polícia está averiguando o caso para..."
Mudei o canal e saí da sala.
Escutei a menina desligar a TV e ir para seu quarto. Quarto provisório. E não saiu mais de lá.
A noite estava chegando, notei que fazia tempo que ela não havia comido. Não que isso fosse importante para mim, mas não queria uma garota que morresse de fome nos meus aposentos. Me preparei para sair, colocando o terno requintado e guardando a arma com o silenciador e o facão dentro do meu paletó.
Fui até seu quarto. Ela estava deitada lendo o livro "A Arte da Guerra", que eu deixara jogado ali depois de lê-lo tantas e tantas vezes. Me aproximei e deixei mil dólares em cima da escrivaninha.
- Vá amanhã comprar umas roupas e faça uma compra no supermercado.
- O que você gosta de comer... Eu...
- Compre o que você quiser. É só você quem vai comer mesmo.
Me virei já saindo, quando senti ela se levantar rapidamente.
- Por que você usa lentes de contato? Quer dizer... - Ela abaixou a cabeça, envergonhada. Odeio esse tipo de atitude.
- Fale logo! - Fui grosseiro e ela finalmente olhou pra mim e teve coragem para falar.
- Você acordou e foi direto para a cozinha, então eu vi seus olhos... Eles são...
-Azuis?
- Sim... Seus olhos são lindos. - Ela sorriu - Não deveria escondê-los.
- Jura? E quantos asiáticos você já viu com os olhos quase brancos?
- Além de você?- Ela abaixou a cabeça. - Só um, mas faz muito tempo... Tanto tempo que você seria uma criança, se contar pelo fato de você parecer ter 25 anos....
Me assustei. Será que... Ele deveria estar morto.
- Você é mais nova do que eu. - Falei, não transparecendo fraqueza.
- Sim, eu tinha quatro anos, mas lembro daqueles olhos azuis quase brancos. Foram inesquecíveis pra mim...
- Hn. - Decidi não perguntar nada em relação a esse assunto, apesar de estar tremendamente curioso.
- Seus olhos... Eles possuem algo de especial?
- Sim, eles fazem as pessoas que me perturbam queimarem vivas. - Eu sorri de escárnio e ela se retraiu - Está ficando com calor?
Ela negou com a cabeça.
- Esses olhos são uma maldição. Não possuem poder algum. - Já estava na porta, pronto para sair - E nunca mais digam que eles são lindos. Me dá nojo saber que alguém pensa isso sobre eles.
Saí antes que obtivesse resposta. Qualquer coisa que ela dissesse naquele momento, não seria a resposta que eu estaria procurando.
- Nara! - No mesmo instante a serpente estava do meu lado. - Fique alerta. Posso precisar de você.
A enorme serpente apenas afirmou com o chacoalho e saiu pela janela.

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